Cortadores de cana continuam morrendo, enquanto mundo aplaude biocombustíveis

Uma epidemia misteriosa já é a segunda principal causa de mortes entre homens em El Salvador e na Nicarágua. A doença já matou mais homens do que o vírus HIV e a diabete somados. As causas da epidemia permanecem desconhecidas, mas a teoria mais recente é de que as vítimas estariam, literalmente, trabalhando até a morte.

Morte programada

O problema está agora sendo detectado na América Central, mas também já foi largamente denunciado no Brasil, onde os cortadores de cana trabalham até à exaustão. A doença já matou tantos homens nesta região que os moradores já passaram a chamar La Isla (A Ilha) de La Isla de las Viudas (A Ilha das Viúvas).

Causas desconhecidas?

A doença não se limita à Nicarágua. Há inúmeros casos registrados em seis países da América Central, situados na região costeira do Oceano Pacífico. “É importante que a doença renal crônica afetando milhares de trabalhadores das zonas rurais da América Central seja reconhecida como o que ela é -uma forte epidemia com um tremendo impacto sobre a população”, afirma Victor Penchaszadeh, um epidemiologista da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos.

O Ministério da Saúde de El Salvador já pediu a ajuda da comunidade internacional para combater a doença. A ministra Maria Isabel Rodríguez afirmou que a epidemia está “consumindo as nossas populações”.

Em uma clínica de El Salvador, na região rural de Bajo Lempa, o médico Carlos Orantes recentemente descobriu que 25% dos homens na área sofrem da doença. E mais, afirma ele: a maior parte dos homens que estão doentes não têm indícios de pressão sanguínea alta ou de diabetes, que são as causas mais comuns de doença renal crônica em todo o mundo.

Pesticidas proibidos para alguns

O que os homens da região têm em comum é que todos trabalham com agricultura. Por esse motivo, Orantes diz acreditar que uma das principais causas das falhas renais das quais eles sofrem sejam componentes químicos tóxicos, como pesticidas e herbicidas, que são usados regularmente na agricultura.

“Estes químicos são proibidos nos Estados Unidos, Europa e Canadá e são usados aqui, sem quaisquer proteções e em grande quantidade, o que é bem preocupante,” afirmou. Mas ele não descarta que outras hipóteses possam estar provocando a doença, como, por exemplo, o uso excesso de analgésicos, que pode danificar os rins, assim como o consumo excessivo de álcool.

Escravidão moderna

Na Nicarágua, a doença já se tornou um problema político. Em 2006, o Banco Mundial (Bird) concedeu um empréstimo à segunda maior companhia açucareira do país para que ela construísse uma usina de etanol.

O Bird financia um estudo para tentar identificar as causas da epidemia. “As provas apontam para um hipótese muito forte de que o estresse provocado pelo excesso de calor seja a causa desta doença”, afirma Daniel Brooks, da Universidade de Boston, que está chefiando a pesquisa.

A equipe de Brooks descobriu ainda que não são apenas os trabalhadores agrícolas que estão adoecendo, mas que também há forte incidência de doenças renais entre mineiros e trabalhadores da zona portuária, que não estão expostos a componentes químicos.

Mas o que os portadores da doença têm em comum é o fato de que eles trabalham longas horas sob um calor extremo. “Dia após dia de trabalho manual em condições de forte calor, sem que haja uma renovação de fluidos, pode ter efeitos sobre os rins que não são tão óbvios à primeira vista, mas que, com o tempo, se acumulam ao ponto de contribuírem para que surjam doenças”, afirma Brooks.

Ele acrescenta que “isso não havia sido mostrado até agora como uma causa possível para doenças renais crônicas. Portanto, estamos falando de um novo mecanismo que até hoje não havia sido descrito na literatura científica”.

Demitidos ao adoecer

As empresas produtoras de açúcar afirmam não estar convencidas de que os produtos químicos ou as condições de trabalho em suas plantações possam ser culpadas pela epidemia. Mas ainda assim, dizem as companhias, elas estão tentando proteger a saúde de seus funcionários.

Um conglomerado que possui diversas plantações de açúcar na América Central, o Grupo Pellas, diz ter começado a dar intervalos de almoço de uma hora aos seus trabalhadores e que procura assegurar que seus funcionários estão bebendo uma quantidade suficiente de água. A companhia também promove exames regulares para avaliar as funções renais dos trabalhadores.

O porta-voz do Grupo Pellas, Ariel Granera, diz que quando se descobre que um trabalhador apresenta problemas renais, ele é dispensado, por conta de preocupações com seu bem-estar. Mas os funcionários que adoeceram e que foram dispensados afirmam que o que eles recebem das empresas e da previdência social não é o suficiente para garantir seus sustentos.

E dizem que, quando perdem seus empregos, perdem também o direito de ser tratados por médicos da companhia.

Fonte: Diário da Saúde /BBC

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